Direito de Crítica e lei de segurança nacional

   

Ícaro Leon

      Recentes foram os casos envolvendo a imputação de crimes previstos na Lei de Segurança Nacional (Lei. n.  7170/83) (LSN), originados principalmente após a apresentação de apontamentos críticos às autoridades e às instituições brasileiras. Também, em recente levantamento fornecido pela Polícia Federal, restou demonstrado um recorde de investigações abertas, em 2020, buscando averiguar a prática dos delitos insertos na referida lei – praticamente o dobro se comparado a 2019[1]. Assim, exsurge a seguinte questão: mesmo frente a liberdade de manifestação garantida pela CRB/88 (art. 5º, IV, IX, da CRB/88), por quais motivos ainda permanece a possibilidade de criminalização de determinadas opiniões pessoais? Para responder a tal questionamento, essencial verificar que os procedimentos investigatórios se debruçam sobre os arts. 22 e 26, da LSN, criminalizando: “a realização de propaganda pública de: processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social” (art. 22, I); “de discriminação racial, de luta pela violência entre as classes sociais, de perseguição religiosa” (art. 22, II); “de guerra” (art. 22, III); “de qualquer dos crimes previstos nesta Lei” (art. 22, IV); além da calúnia ou difamação do “Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação” (art. 26). Denota-se, portanto, que os referidos dispositivos presentes na LSN, instituída em um contexto político diverso do que ora nos encontramos, a saber, o Estado Democrático de Direito, objetiva resguardar a ordem institucional, bem como as instituições mencionadas no art. 26. Contudo, a despeito de tais objetivos, a ausência de critérios subjetivos para se definir claramente quais atos são crimes e quais atos são manifestações pessoais legítimas, proporcionam alargamento nas possibilidades de imputações, ocasionando, por consequência, a criminalização de meras opiniões e críticas pessoais. É dizer. Não existem parâmetros seguros para se definir se determinado ato pode ser considerado uma crítica legítima a determinada gestão governamental ou institucional, ou se a conduta perpetrada pelo indivíduo constitui como uma tentativa, ou efetiva realização, de ato contra a Segurança Nacional. Percebe-se, por consequência, que a criminalização ocorre principalmente pelo fato da lei instituir que somente será necessário levar em consideração “a motivação e os objetivos do agente” (art. 2º, I), bem como “a lesão real ou potencial aos bens jurídicos mencionados” no art. 1º, caso os delitos praticados pelo agente estejam previstos no Código Penal, no Código Penal Militar ou em leis especiais. Ou seja, para a imputação dos crimes apenas previstos na LSN, não é necessário se verificar o objetivo do agente, se ele efetivamente buscava atentar contra a segurança nacional, a ordem política e social vigente, o que viabiliza que qualquer tipo de manifestação crítica à ordem vigente, até as mais comedidas, possa ser enquadrada como uma propaganda em desfavor dos elementos presentes no art. 22 – já mencionados acima. Ademais, o próprio normativo confunde, por motivos próprios, as pessoas das autoridades públicas e as instituições representadas por essas, viabilizando que qualquer tipo de crítica mais contundente aos indivíduos presentes no art. 26, se configure como o crime ali previsto. Entretanto, sabe-se que a crítica a determinado indivíduo, mesmo que público, deve ser resolvida no âmbito dos Crimes contra a Honra insertos no Código Penal, não representando tais opiniões, necessariamente, em crimes lesa pátria. No mais, percebe-se que o tipo penal, é deveras aberto e vago, permitindo que diversos atos sejam entendidos como atos ilícitos, situação que desobedece aos critérios do Princípio da Legalidade (art. 5ª, XXXIX, CRB/88), não limitando, deste modo, a incidência do poder punitivo em desfavor do indivíduo.
[1] Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/02/bolsonarismo-reaviva-articulacao-para-substituir-lei-de-seguranca-nacional-entulho-da-ditadura.shtml> Acesso em 24.out.2020